Transcrição da entrevista ao Oupas Design em Outubro de 2025. Post completo em inglês aqui.

Miguel: Começamos com a pergunta clássica: Por estes dias, depois de termos terminado esta fase de planeamento e a primeira parte da reestruturação do Oupas, que durou uns meses, o que vos vai pela cabeça?

Cidália: Boa pergunta… O que me vai na cabeça, é vontade de fazer, é vontade de criar, é vontade de inovar e de fazer mais e diferente. É o meu sentimento e é isso que eu quero e ambiciono daqui para a frente. Em relação ao processo de planeamento e ao que fomos passando por aqui durante este ano, sinto-me com energia e com força. Muito fruto do trabalho que nós tivemos desenvolvido, ganhei muito essa motivação, acho que ganhei muito essa vontade de fazer, de acontecer.

M: Quando nos conhecemos, estávamos num momento muito particular da empresa. Foi quando a Joana saiu e tiveram que lidar com duas situações ao mesmo tempo: Uma mais emocional, que é, no fundo, uma pessoa que está convosco desde o início, que é a vossa amiga e todo o impacto que isso tem quando se está a gerir um negócio criativo, que é para todos os efeitos muito pessoal. Depois da reestruturação, e estando agora com menos uma pessoa e logo uma das fundadoras do Oupas, do ponto de vista da reorganização como é que está a funcionar? Quando nos encontramos há uns meses atrás, sentia-se toda uma energia de tentar processar a nova realidade e digamos, de perceber um bocado o que será o vosso trabalho enquanto dupla. 

C: Primeiro há uma parte mais emocional e nós ainda estamos a tentar perceber o que é o nosso estúdio sem a Joana e como é que o queremos conduzir, que imagem queremos apresentar.  Depois também estamos a descobrir a parte prática, não é? Acho que continuamos a fazer neste momento um bocadinho daquilo que estávamos a desenvolver anteriormente, mas só que estamos a pensar, espera aí, será que agora dá para irmos por outro caminho ou não fazer determinada coisa que antes dávamos como necessária? Eu acho que ainda estamos um bocadinho numa fase de descoberta. 

Sofia: Voltando a essa parte emocional, a mudança por vezes pode ser um bocadinho assustadora e esta alteração que nós estamos a fazer, ou esta revisão daquilo que é o nosso estúdio depois da saída de uma das fundadoras, foi uma oportunidade para nós olharmos para o projeto. 

Já estávamos com 15 anos de Oupas, em que já havia alguma saturação. Parece às vezes que os projetos se repetem muito e agora há uma oportunidade de olharmos, de tirarmos partido daquilo que desenvolvemos ao longo destes anos e dos clientes que nós angariamos e fazer uma versão 2.0 do estúdio, tirando mais partido das coisas boas que alcançámos e melhorando as que às vezes não iam correndo tão bem ou às quais não íamos dando atenção.

C: Isto levou à reflexão interna e ao processo de descobrirmos quais são as nossas motivações pessoais, as nossas vontades. Às vezes as coisas foram muito conduzidas pelos que nossos clientes pediam ou pelas que as coisas iam surgindo, sem que houvesse espaço para essa reflexão mais pessoal. 

M: Então temos aqui dois tópicos que são importantes nestes processos e um deles é o da criatividade enquanto processo da empresa e o outro a motivação por trás desse mesmo processo criativo. Costumo dizer que há uma crise da meia idade ao fim de 10 anos de uma empresa e no caso dos negócios criativos eles chegam a esta fase sem que tenha havido um processo estratégico, ou seja, as coisas vão acontecendo organicamente e depois nós ficamos presos em hábitos ou caminhos que não foram muito pensados. Em muitos casos, o crescimento que o fundador projetava no início não aconteceu, porque não se parou para repensar.  Tenho uma cliente que diz que se sentia na roda do hamster, parece que andava sempre atrás de alguma coisa sem realmente sair do sítio. E depois também podemos falar um bocado daquilo que é a drive, a motivação por trás de um projeto criativo e o que nos faz sair de casa todos os dias.  O que é que vocês sentiram 10 anos ou 15 anos depois de terem começado? 

S: É um bocado como tu dizes, tivemos essa crise dos 15 anos da empresa, também um bocado também motivada pelo que sentimos pessoalmente. A Cidália falará por ela, se calhar ela não sentiu tanto isto, mas eu própria senti que estava a precisar de fazer as coisas de forma diferente, olhando mais para aquilo que eu quero enquanto designer e enquanto criativa, o que sempre quis atingir e que se calhar fui negligenciando ao longo dos anos. Olhávamos mais para a empresa, para o grupo, para as três, em vez de se olhar também para cada uma. 

Nesta fase, tanto eu como a Cidália estamos a olhar mais para essa parte do que, enquanto pessoas e criativas queremos e depois alinharmo-nos para fazer uma coisa melhor e com mais motivação. Isto inclui também definir os papeis  e reestruturar o estúdio de acordo com as competências e interesses de cada uma. 

C: Isto está também diretamente ligado com a motivação, porque se nós sentirmos que estamos a trabalhar coisas mais próprias de cada uma, então também nos vamos sentir uma parte mais importante do estúdio. Se as duas fazemos as mesmas coisas, no fim ninguém se dedica a uma coisa que tem mais jeito ou que tem mais vocação e voltamos ao mesmo.

M: Vocês sentiram em algum momento alguma tensão entre vocês por estarem a repetir papeis? 

C: Talvez. Eu diria que sentia que não era se calhar tão competente, que se calhar estava a desempenhar papeis em que se calhar não era tão boa, ou que não estavam alinhados com a pessoa que sou.

S: Sim, é isso. Nós ao longo dos anos, pelo menos até à Pandemia, tivemos sempre um ritmo bastante acelerado, numa lógica de “quem está disponível faz”.  Esta flexibilidade, não havendo uma definição melhor de papeis,  por um lado até é boa, porque de repente qualquer uma resolve, mas isso bloqueia a vontade de explorar aquilo que realmente sentíamos sermos mais capazes ou com vontade de fazer.  Ou seja, se calhar até fazíamos com muita competência mas, não sem tirar satisfação nisso.

M: Esta mudança na organização e vontade de mudar processos foi uma das motivações para começarmos o nosso trabalho em conjunto. Mas também havia outra, que diz respeito às questões relacionadas mesmo com a gestão da empresa num cenário que ainda é pós-Covid, que teve um impacto brutal no vosso negócio e com alterações grandes nas dinâmicas do vosso mercado. Estamos a falar do impacto imediato na tesouraria, depois de tanto eventos terem parados, mas também de uma migração muito grande para o online durante este período, que fez com que o retalho, um dos vossos mercados mais importantes, também tenha ressentido, de certa forma, durante um ou dois anos.

C: O Covid foi mesmo um momento de parar.  Nós tínhamos eventos adjudicados, coisas que iam acontecer e não aconteceram. Foi basicamente um ano de pausa, de paragem, em que surgiu um ou outro projeto online, com fotografia, mas físico não aconteceu nada. E claro que nós sentimos muito esse impacto.

Também foi um período aliado a outro momento que foi a maternidade. A Sofia foi mãe nessa altura e eu pouco tempo depois também. E isto foi uma transformação que obrigou a repensar como prosseguir o negócio e como é que as coisas iriam acontecer a partir desse momento. Se nessa fase  os eventos acabaram por não acontecer, nós também acabámos por começar a procurar trabalhos mais criativos, mais pequeninos, como as montras, ou que fossem mais minuciosos,  mas mesmo assim sentimos que não ficou resolvido. Sentimos que havia uma necessidade de reflexão maior para resolver essa transformação que aconteceu com o Covid.

M: Vocês na altura como é que estavam organizadas? Tinham algum fundo de maneio que desse algum conforto?  Vocês sempre tiveram cuidado em criar essa almofada, mas qual foi o impacto financeiro do Covid até hoje? Foi grande e ressentiram até agora? 

S: Sim, tínhamos. Foi a nossa tábua de salvação nesse período e sentimos que ainda estamos um bocadinho a recuperar.

M: Esta resiliência do Oupas vem de um grande cuidado financeiro, por um lado, mas também pelo facto de conseguirem ter sempre mantido uma estrutura minimalista desde que fundaram o estúdio. A ideia era ou não criar uma empresa? 

C: Foi acontecendo e foi uma coisa muito orgânica. Nós acabámos a faculdade na altura da troika, em que não havia grandes empregos para designers. E nós, enquanto não aparecia nenhum trabalho, nenhum estúdio que nos aceitasse, fomos trabalhando em conjunto. Até que as coisas foram ganhando outra proporção e foram solidificando até criarmos a empresa, mas não foi essa a intenção do todo, não.

M: Quem foi o vosso primeiro grande cliente? 

C: Foi a IVITY, talvez.

S: Sim. A IVITY, uma agência de Lisboa. Fizemos uma cidade de cartão para eles e foi um projeto mais em parceria. Depois vieram os eventos. Nós tínhamos feito um palco para um TEDx e um dos oradores era o Carlos Coelho, que é o presidente da agência, que gostou do nosso trabalho e nos lançou esse desafio. 

C: Ele queria fazer uma cidade das marcas num armazém que tinha em Lisboa. Basicamente foi “olha, para a semana, venham para lá” e nós fizemos uma coisa meia de improviso. Aliás, totalmente de improviso, porque não houve planos, não houve nada.

S: Aquilo tinha uma escala muito grande e teve muita visibilidade. A partir daí começaram a vir muitos eventos.

M: Que dificuldades é que vocês sentiram no crescimento ao longo desses primeiros dez anos? Até ao Covid.

C: Nós não tínhamos qualquer experiência profissional, apenas alguns trabalhos de fim-de-semana durante a faculdade. Foi toda uma aprendizagem, sem referências, sem nada. 

No início, mesmo no início nós estávamos a trabalhar com peças mais volumétricas. Basicamente nós saímos um bocadinho do design gráfico, do bidimensional que aprendemos na faculdade para trabalhar o tridimensional e precisámos de perceber como é que o podíamos fazer de uma forma mais profissional e eficiente, tanto para nós, para construir as peças, como para os clientes as visualizarem. Isso foi uma das fases, perceber como é que poderíamos melhorar tecnicamente. 

Do ponto de vista financeiro, no início foi bastante difícil, mas também foi um processo de descoberta e sem grandes encargos, porque nós começámos numa incubadora da faculdade, em que não tínhamos rendas para pagar. Nós tivemos ali uma fase de experimentação muito importante e isso permitiu que, depois de um ano, nós víssemos que o Oupas tinha pernas para andar. 

M: No vosso processo de trabalho, com três pessoas que saem do bidimensional para o tridimensional, como é que vocês veem o vosso “craft”? Ou seja, o que é exatamente aquilo que vocês aprenderam a fazer mesmo muito bem, que aperfeiçoaram e que é difícil de ser replicado? 

S: Eu se calhar diria que já temos um processo muito aprimorado, ou seja, acho que não é muito difícil de replicar por nós. Já temos tantos meios técnicos e tantas formas, tanto know-how, já optimizamos muito o nosso processo e agora conseguimos dar uma resposta muito mais rápida ao cliente. Aquilo que levava um mês a fazer no início, agora fazemos numa semana. 

Ao longo dos anos fomos encontrando parceiros que nos ajudam com componentes mais técnicas e nós sabemos o que precisamos de cada um deles.  Neste momento sabemos exatamente tudo o que envolve uma produção, desde os prazos de entregas de papel, os stocks normalmente existentes nos fornecedores e otimizamos  também o nosso stock próprio, que é grande. No próprio trabalho de produção está também tudo otimizado. Por exemplo, temos fornecedores que nos fazem cortes com mais volume.  São pequenas coisas que nós fomos ganhando ao longo dos anos e que agora nos permitem dar uma resposta mais rápida, com mais rigor e mais profissional. 

M: Do ponto de vista do craft, ou seja, da competência do domínio técnico, como é que isso evoluiu? 

S: Em cada projeto que fazemos, eu sinto que aprendemos sempre alguma coisa que vamos aplicar no próximo. 

C: No início nós trabalhávamos com aquilo que nos pediam. Começámos a trabalhar muito cartão cru, tudo muito rough, não trabalhávamos tanto o papel a delicadeza. Eram muito coisas brutas. Depois, ao longo dos projetos, fomos percebendo que o papel poderia adicionar coisas e trazer muita mais riqueza, muito mais detalhe aos projetos. O cartão não tinha essa capacidade, só trazia robustez. Claro que para  aquele impacto, aquela gigantesca escala, é importante, mas depois quando íamos para projetos mais pequeninos, não conseguíamos fazer o que queríamos.

Depois, também fomos percebendo que era que gostávamos ou não de ter nos nossos projetos. Por exemplo, o facto de não pintarmos tanto, ou trabalharmos mais só com cores das cartolinas para os recortes. 

M: Há então uma linguagem estética associada a isso? 

S: Acho que sim. Até porque acabámos por criar uma biblioteca de formas, de tipos de peças. Por exemplo, animais e coisas da natureza, que depois vão sendo reinventadas a cada projeto. Há formas que estão muito presentes em vários projetos e acabam por ser identitárias do nosso estúdio, fazem parte da nossa linguagem.

M: E vocês têm coleções por clientes? Faz sentido falar nisso? Ou seja, desenvolvem também para além da vossa linguagem própria, de vosso estilo, uma linguagem própria para cada cliente?  Se juntássemos o trabalho que foi feito para um cliente, ao longo dos anos, ele faria sentido visualmente?

C. Acho que é uma coisa orgânica, não é muito estruturada. Em alguns casos sim. 

Por exemplo, neste caso (Hermés), cromaticamente temos trabalhado muito as cores das coleções, da marca. Com este cliente, nós utilizamos sempre a mesma gama de cartolinas, que tem sempre aquela textura. E também como são elementos que estão sempre numa escala muito próxima, para ver de perto, há essa coerência. 

S: Obviamente que depois há outros clientes que querem, a cada evento que fazem, uma coisa completamente diferente. Mas eu acho que acaba sempre por haver algum outro elemento gráfico. Não há propriamente um sistema visual, mas há elementos que se repetem de projeto para projeto.

C: Eu acho que o próprio material também traz essa coerência, estou a pensar, por exemplo, na GRAHAMS. Lá é sempre tudo muito diferente, de expositor para expositor, mas o papel, a forma como é trabalhado, os detalhes, têm sempre uma identidade  comum presente, há uma unidade. 

M: Num evento grande, como é que pode acontecer o processo criativo? Qual é a diferença entre o planeamento e a montagem, por exemplo? 

S: Obviamente que já temos alguns sistemas em todos os tipos de projeto, coisas que se vão implementando e que funcionam. Por exemplo, a forma de apresentar ideias ao cliente, otimizar as propostas para não avançar demasiado e não ter o risco de depois termos que voltar muito para trás. O cuidado na comunicação com o cliente, a forma como vamos apresentando gradualmente todas as fases do projeto até à própria execução. 

C: Eu acho que, no evento grande, o processo é maior. Entre descobrir o que é que o evento, qual é a vibe do evento, o que é que o evento quer transmitir. Porque o evento pode querer transmitir uma coisa e a vibe ser um bocadinho mais ao lado, e então, a decoração, tem que transmitir. 

Nós tivemos vários exemplos de eventos que, às vezes, eram muito institucionais, muito corporativos, mas a vibe que queriam passar ou o tipo de energia era totalmente diferente. E nós temos que alinhar essa decoração, essa mensagem. Nós temos que passar essa mensagem muito bem. No evento há essa fase de descoberta, com o cliente, com o espaço.

S: Acho que o que distingue dos projetos pequenos é a parte técnica. Alinhar com outras equipas, audiovisuais, leitura de espaço, saber os percursos que as pessoas têm que fazer, o que é que faz sentido. Ou seja, sai muito além da peça em si. Na construção há muito mais a pensar para além do próprio desenho das peças. 

C: Às vezes o espaço pode não ter nada a ver com a empresa em si, mas pode dar-nos condições para fazer coisas que se fosse noutro espaço não conseguiríamos.

M: Voltando ao processo, como é que tornam o vosso trabalho mais pertinente e abrem novas possibilidades para o cliente?

S: Temos pensado em tipos de inovação mais ligados ao serviço que estamos a prestar. Ou seja, podemos ter uma campanha que funciona em multicanal, por exemplo. Imagina um evento, ou uma loja, ou uma montra, que possa ser transportada para o digital para ajudar a contar a história. 

M: Do ponto de vista da direção criativa, não da direção de arte, mas da direção criativa, vocês têm dificuldade em vender uma ideia? 

S: Às vezes sentimos que o cliente não consegue visualizar bem o projeto e acho que é nessa fase que nós sentimos que pode haver mais dificuldade em passar a mensagem. 

Há uma fase de maquetização que, por norma, depois disso é só pequenos ajustes. O cliente já sabe muito do que é que vai ter. Ninguém vai dizer, olha, deita fora... não há margem para isso.

O que pode acontecer, e às vezes acontece, não é o cliente voltar atrás, mas é chegarmos ao local e a equipa, por exemplo, a equipa de audiovisuais põe o ecrã um metro abaixo e nós não temos aquele espaço. Depois é remediar.

M: Acontece-vos terem desperdício criativo? Ou seja, investirem num design, ou conceito, que depois acaba por não ser utilizado?

S: Por vezes acontece termos dois potenciais caminhos para o mesmo projeto e, claro, o cliente só escolhe um. Depois ficamos ali com um design que facilmente aplicamos noutros projetos.

Ao longo dos diferentes projetos vamos também registando ideias para aquilo que ainda não existe mas poderá vir a ser um dia um projeto. Quando aparece um trabalho novo, em que o cliente tem muita pressa, por vezes já temos ideias alinhadas e alguns caminhos meio definidos. 

Por exemplo, neste projeto que aqui temos já tínhamos o mood-board meio pronto, o briefing batia certo e podemos muito rapidamente propor uma ideia ao cliente. 

M: Nestes processos, quem é normalmente o vosso interlocutor?

S: Varia muito, às vezes tratamos tudo com o cliente final, outras com agências. 

C: Não é linear. Tanto pode ser a equipa de marketing, ou com uma agência que passa por muitos intermediários até chegar ao cliente final.

M: O cliente costuma tentar desenhar convosco?

C: Já tivemos casos em que tivemos que trabalhar diretamente com o diretor criativo da marca, em que eles nos passa o moodboard daquilo que pretende e a direção visual. Outras vezes o cliente chega com referências já muito fechadas, sem grande margem de manobra. Mas na maior parte das vezes somos nós que vamos ao cliente com as nossas ideias. 

M: Como é que angariam o vosso trabalho?

S: Muitas vezes é o passa-palavra entre os clientes, noutras são as redes sociais. As redes servem também para relembrar clientes que estamos aqui e que já há algum tempo não trabalhamos juntos. Quase sempre notamos que, depois de publicarmos alguma coisa, há clientes que voltam ao contacto.

C: No caso das agências, sendo um mundo muito competitivo, quando fazemos um trabalho de impacto, aparecem-nos agências novas porque nos viram a trabalhar com a concorrência. Noutros casos são mesmo as agências que nos recomendam umas às outras. 

M: Por falar nas redes, neste ambiente de “shitification”, em que tudo no digital está mais ou menos horrível, desprovido até de gosto, como é que mostram o vosso trabalho de uma forma construtiva? Eu refugio-me na escrita e na criação de conteúdo no site, mas na verdade as estatísticas continuam más. Acabo por sentir que é importante para criar um legado e um registo do nosso trabalho, que pode vir a ser útil no futuro. Mas na verdade as vendas não nos chegam através disto, continua a ser o passa palavra e a recomendação dos nossos clientes e dos contactos e networking que vamos fazendo. No Oupas, como vêem esta dicotomia entre o “shit digital” e um mundo super competitivo cá fora?

C: O online tem assumido pouca importância, na verdade. O nosso trabalho traz esta experiência táctil que não passa bem no online…

S: É um trabalho artesanal, é do nosso tempo, mas feito manualmente, acabando por se descolar de tudo o que se vê na net e que andamos todos a consumir. 

Ao mesmo tempo que sabemos que as redes sociais são necessárias e temos que as usar, há dias em que nos recusamos a fazer parte, por causa de todo o trabalho que temos para registar e fazer conteúdos que acabam por não ter tração ou trazer resultados, é só mais uma coisa para fazer scroll. Isto das redes parece quase uma chantagem, tens que fazer parte. Eu pessoalmente não gosto de ver as minhas coisas junto de tanta porcaria.

 É contudo excelente produzir estes conteúdos para o site, para enviar ao cliente para ser ele a usar.

M: Agora uma pergunta longa, com um bocado de comentário.  O que é que vocês estão a pensar relativamente à IA? Pessoalmente acho que é uma oportunidade grande para quem realmente cria valor. Agora estamos com o AI, mas estamos a entrar naquela fase anedótica de o ChatGPT inventar texto e não ser credível, os textos são todos iguais, toda a gente comunica de forma igual, e quer dizer que o que é fixe agora é escrever. Escrever mesmo, porque nota-se que há um pensamento, por trás do que se apresenta. Da mesma forma agora o que é fixe é desenhar, desenhar à mão, e mostrar o processo. Mostrar que criamos valor, não com aquele design todo igual, mas em processos de design que são pensados, que são estruturados, que têm uma direção criativa forte, que têm uma direção de arte forte, e depois também têm uma componente de craft, digamos assim, na sua execução. 

Vocês trabalham com esta parte do craft, mas há aqui uma oportunidade grande também, de perceber que o mundo está digital, se calhar isto está a ficar demasiado AI, se calhar esta proposta de valor do trabalho artesanal é ainda mais válida do que era há 10 anos atrás, quando o digital estava a crescer, principalmente os social media e a comunicação na web, estava numa fase mais fresca. 

Da mesma forma que os paralelismos, se calhar com o início do século XX, quando temos a 2ª ou a 3ª revolução industrial, e de repente surgem movimentos muito mais ligados a este pensamento do trabalho artesanal, como o movimento arts&crafts no Reino Unido, ou até a própria Bauhaus, que pensou como é que a criatividade, a arte e a indústria iriam funcionar nesse contexto.

Acho que também estamos agora num momento semelhante, que é de repente, como é que nós transformamos a dimensão material do trabalho para o digital, não só não perdendo valor, mas acrescentando? Voltando à pergunta, como é que vocês vêem a inovação a acontecer no vosso trabalho? 

C: As formas de fazer as coisas são super importantes, e que se calhar nós fomos descurando uma parte do registo. Se calhar as pessoas terem esse contato com as coisas a serem feitas, perceberem melhor como é que as coisas foram construídas, o tempo que demorou a fazer uma peça, a dedicação que tem cada peça, vai trazer mais valor. As pessoas percebem que houve um cuidado, houve uma dedicação, há toque, não é? As pessoas perceberem como é que as coisas foram feitas é super importante, é uma das coisas que nos estamos a esforçar por fazer mais. 

S: Neste trabalho (Hermés) já estamos a fazer, vamos ver se sai daqui alguma coisa que se aproveite!